quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Poesia para um encontro

Quando eu conheci Dion e Anantha eu fiz esse poema para eles,vem acompanhado de um desenho,mas não pude colocá-lo aqui,probleminhas técnicos.Guardo ele comigo como uma delicada preciosidade em minha caixa de recordações.Como minha amiga viajante diz cada lugar aceita a gente de uma maneira...Pra mim não importava o formato,mesmo criança ela era grande,mesmo adulta ela guarda o renovador e curioso olhar que se encontra na infância.

A pequena mão pousou no peito de um imenso Universo
e dele fez brotar seus dedos e seus anéis.
E assim crescendo,
enovelaram-se em pequenos cachos vermelhos e dourados.
Mãos que projetam um futuro,traçando camas que navegam pelos sonhos,
contornando asas de borboletas,
planejando naves e desenhando pássaros,
criando fórmulas e caminhos que levam até uma Casa.
Desenhos animados pelo corpo e pelo Mundo ocupando todo o espaço
Mãos que se enlaçaram na delicada função do laço.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Diário de uma viajante

Em Tejana

Fui parar na aldeia de Triana por um lago. Era noite quando eu cheguei lá e no começo não tinha idéia de onde estava. Estava muito frio, minha roupa toda molhada, deitei naquela margem lamacenta, tentando me aninhar em mim mesma, pensando no Dion que tinha ficado lá naquela realidade das máquinas-soldados, preocupada com ele, com aquelas pessoas todas que moravam ali, assustadas com as máquinas que engoliam pessoas. O medo tem sempre uma cara muito feia, não importa onde. Pensava que eu poso fazer tão pouco pelas pessoas que eu venho a conhecer! O Dion, como o amei desde o primeiro momento que o vi ali, naquela nave, se esforçando para sair daquele mundo. Será que ele ficou bem? Como poderei me encontrar com ele de novo, se ele também viaja?
-Quem está chorando?
Ouvi essa voz atrás de mim. “Chorando?”, pensei. É, estava.
-Quem está aí?
Tentei me mexer e não conseguia. Meu corpo estava muito cansado. “Aqui!”, respondi. No clarão da lua apareceu uma mulher bonita, senhora já, de saia comprida e um chalé nos ombros. Tinha jóias, nas orelhas e nos dedos e cheirava a jasmim. Ela me olhou e ficou atordoada. Me disse com uma voz terna:
-Calma, minha querida, já vamos te tirar daí.
Ao mesmo tempo virou para trás de si e gritou:
-Juan! Juan, venha ajudar, depressa! Um anjo acaba de cair do céu!

Era uma aldeia de ciganos. Grande. O Juan, um cigano bonito com uma argola na orelha e que cheirava a mato molhado com tabaco, me carregava nos braços. Ainda não podia me mexer direito, com um cansaço espalhado por todo meu corpo. Me levaram para uma tenda, muito ricamente decorada, cheia de vasos de bronze, tapetes, almofadas. Me colocaram num almofadão que me cabia inteira e Juan saiu. Entrou uma mocinha que parecia que tinha sido arrancada do sono, carregando uma jarrona de água quente que ela colocou numa tina. Me despiram com muito respeito e me colocaram na água morna, relaxante, confortável. Elas murmuravam alguma coisa enquanto me banhavam. Tentei uma comunicação.
-Meu nome é Anantha.
-Samantha.
-Não, Anantha.
-Sim, Samantha.
-Bom, que seja. Eu não vim do céu. Não sou um anjo, viu? Eu saí do lago e vim parar aqui.
-Sim. Anjo da água. Samantha.
Aquela mulher não era de muito papo. Resolvi conversar com a mocinha.
-Meu nome é Anantha. Qual é o seu?
-Natacha.
-Que nome bonito.
Quis ser educada, porque na verdade achei o nome dela bem esquisito. Perguntei o nome da senhora e Natacha disse:
-Triana.
Me soou bonito. Três Anas e não uma só. Ela era ‘madrecita’ de Natacha. Pensei que significava que ela era mãe mesmo, mas só muito tempo depois eu fui entender que ‘madrecita’ era ‘senhora’. Ela era a rainha, era isso.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Diário de uma Viajante

Diário de uma Viajante
Os dias que passam arrastados, de um ano qualquer.

Talvez, ser uma viajante seja um caso de física quântica, ou algo parecido. Antigamente, (e quando eu falo antigamente eu quero dizer numa realidade fora do tempo) havia um povo que viajava com muita facilidade entre as realidades: se chamavam kazares. Para os kazares, as realidades eram separadas por portas invisíveis que poderiam ser conectadas através do mental. Com o pensamento como chave, eles viajaram muito; e devido sua personalidade nada turística, os kazares foram alterando as realidades que visitavam, o que os levou a um exílio em realidades fechadas, sem portas nem janelas. Só paredes.
Hoje é muito fácil compreender isso tudo sobre viagens, tempo que não existe, portas invisíveis e essa coisa toda. O que não é fácil é ser levado a sério.

Diário de uma Viajante

Diário de uma Viajante
Um tempo qualquer de um lugar por aí



Uma coisa que todo viajante deve saber é sobre o tempo. Bom, pra começar o tempo não existe; é algo inventado para melhor se organizar uma realidade. Mas isso eu falo outra hora. Vou falar agora dessas organizações de realidade, que não podem ser levadas muito a sério por quem é viajante, ou um dia pretende ser, porque são feitas para organizar e não para serem respeitadas como leis, o que acontece com freqüência. Nessa realidade, por exemplo, as manifestações são organizadas de uma forma muito física. As pessoas se dividem em cor ou condição financeira. Acredite se quiser é isso que divide as espécies e organiza a realidade, fatores mais absurdos, impossível. Eu acho muito mais lógico a realidade que divide em espécies; anjos, demônios, gênios, vampiros... Fica mais organizado. Tem aquela, de Java, que divide por nível de pensamento, o que é interessante também. Conforme o nível que o indivíduo atinge com sua produção mental, isso define sua manifestação. Neste lugar os indivíduos pareciam mais alaranjados que os demais.Existem tantas formas de manifestação que... Ah sim, manifestações são, a grosso modo, a forma que uma coisa vai ter numa realidade,; como vai parecer. Somos seres hominais, e temos a divisão de físico, espírito, alma, e mental, que em outros casos levam outros nomes, mas dá na mesma. Depende dos níveis de freqüência de cada um desses fatores que levam a uma representação de manifestação física. A aparência de alguém depende mais do lugar que ela está do que quem ela é, essa é a conclusão. Dessa maneira que em determinadas realidades eu pareço criança, e outras não. Esses são os pensamentos de hoje.

domingo, 2 de dezembro de 2007


Até onde eu posso me lembrar eu sempre viajei. Mesmo antes de chegar aqui, que eu nem me lembro quando foi porque agora minha memória já está misturada com as informações do meio. Só tenho sensações, que são mais cheiros e aromas de memória do que lembrança. Mas o que é memória senão os registros dos sete sentidos corporais? Lembramos de imagens, de sons que lembram outras coisas, de cheiros, e quanto mais distante da memória estamos, mais fragmentado fica esses registros. É quando lembramos de um rosto, mas não do nome ou da referência desse rosto, ou lembramos só de um pedaço que nem sabemos o que significa. Da minha casa eu me lembro do clima. Ameno. Lembro de sons, vozes, aromas, as roupas, os sorrisos, e da minha sensação de bem estar e segurança. Não sei onde fica; a cada dia lembro menos e me distancio mais. Tenho saudades de coisas que nem sei o que são. Fico com o peito pesado, triste, querendo escrever uma carta pra alguém, mas nunca sei quem ou do quê sinto falta. Já não lembro mais. Caí aqui e agora não sei voltar.
Naquele dia eu senti essa sensação de novo. Lá estava eu num lugar estranho novamente, sem saber como entrei e muito menos como vou sair. De frio, fome, medo e cansaço, acabei dormindo naquela lama. Amanheceu e eu vi que era um lago grande. Circundado por uma vegetação bonita e espessa. Para a minha direita se abria um vale, mas para a esquerda era uma floresta sem fim.
Depois que brigamos ele voltou a mexer naquilo e não conversou mais. Eu fiquei pensando nisso, em quem poderia ser e ele voltou à vida. Contou de um general que todos temiam, mas que ele não sabia se existia mesmo um general, ou se eram vários generais guiados por alguém que nem ali estava. Disse que se sabe pouco sobre ele, mas que não é humano; é de outro planeta.
-Seja quem for é alguém que não gosta de conversa. Ele tortura e mata. Os exércitos são implacáveis, não deixam nada para trás. Todos que chegaram perto desse exército não quer fazer de novo. Eu já vi muita coisa feia que eles deixaram pra trás. Não sei se é uma boa idéia a gente tentar resolver dessa maneira não.
-Ninguém é totalmente mau, Dion. Todo mundo age por algum motivo, por alguma crença. Se faz coisas ruins, faz porque acredita ser esse o caminho melhor! Esse general deve ter um propósito que a gente precisa descobrir!
-Pode tirar o plural dessa sua frase porque você não vai pra lugar nenhum! Já se meteu demais nessa história e já está na hora de voltar pra sua casa...
-Ei! Não sou criança, não, e você sabe disso!
Uma menininha falando isso!
-Uli, é perigoso chegar perto disso! E além do mais nem é problema seu!
-Como que não é problema meu, Dion? Você não está me vendo aqui? Se eu estou aqui com você isso é problema meu também! E pára com essa idéia que a gente tem outras coisas pra pensar. E se a gente reunisse todos...-
um estouro de repente me assustou. Parecia uma bomba, e estava muito perto. Dion me olhou.
-O que foi?
-Um estouro! Acho que é bomba!
-Vem de que lado? – falou enquanto tirava um ferrinho da máquina e escondia no bolso.
-De lá, eu disse, enquanto ouvia gritos e tiros.
Corremos para o outro lado. Dion tentou segurar na minha mão mas não deu. Todo mundo queria passar pela porta ao mesmo tempo. Todo mundo me empurrava e me chutava, porque eu estava menor que a maioria. Um homem grande me ergueu acima da cabeça de todos, me tirando do sufoco, foi quando eu vi, na nossa frente, um exército enorme apontando armas contra as pessoas que saiam do prédio.
-O exército- eu gritei – bem na nossa frente! Corram pro outro lado! Rápido! –o grandão não mudava de direção e estávamos correndo direto para a ponta daquelas armas quando eu vi um entrando dentro do outro. As pessoas atravessavam o exército como se fossem fumaça. Eu os estava vendo nitidamente, sem nebulosidade nenhuma. Vi um soldado vindo na nossa direção, determinado. Pensei que quando ele chegasse na nossa frente ele atravessaria a gente como todos os outros, mas ele veio pra cima de mim e, para meu pânico, me agarrou dos braços do meu novo amigo e me puxou para ele. Quando eu estava sendo carregada por ele tentei olhar pra trás, pedindo ajuda. Meu amigo olhou espantado e veio na minha direção para me pegar quando outros soldados entraram no meu campo de visão. Consegui me desvencilhar das mãos do soldado, mas não consegui ir muito longe.Eles me encurralavam como se eu fosse uma galinha, abrindo os braços para eu não fugir. Eu sentia falta de ar de medo e tentava gritar, mas não fazia porque achei que isso fosse me desconcentrar do foco principal: escapar. Lembrei da galinha e corri, mudando de direção a cada momento. Como eles eram muito altos, tinham dificuldades em acompanhar as viradas bruscas de direção, e com isso eu fui ganhando distância deles. Já estava ficando cansada quando olhei pra trás, pra ver se já dava pra diminuir um pouco o ritmo; não vi onde pisei, só senti a queda. Gritei. Parece que tinha pulado de um despenhadeiro e estava voando no ar, vendo o chão se aproximando da minha cara cada vez mais. De medo do impacto eu fechei os olhos e gritei. Não sei como, de uma hora pra outra, estava eu dentro da água, gritando lá em baixo! Olhei pra todo lado sem entender nada, mas sabendo de uma coisa; preciso de ar, preciso ir para a tona, agora! Remei para onde eu achava que tinha que ir e curiosamente meu corpo ia subindo. A sensação era de ter sido empurrada de baixo da água para cima dela. Facilmente cheguei na tona, meio tossindo e com o cabelo todo na cara, dificultando respirar sem água. Nadei, tossia mais, nadava mais um pouco para a margem. Estava escuro e pensei – mais um lugar onde não enxergo direito.

É. Cada lugar aceita a gente de uma maneira. Aceitei ser vista como criança, fazer o quê? Não entendia nada daquilo mesmo, só ia poder participar em presença. Mas logo descobri minha utilidade como tradutora do Dion. Eles o conheciam e ficaram muito felizes de serem encontrados por ele, porque parecia que ele tinha como salvar o pessoal. Fomos para uma sala grande, um pouco mais iluminada, mas ainda muito embaçada, como se estivessem soltando gelo seco a todo o momento. Me colocaram sentada em uma cadeira e eu ficava brincando de repetir tudo que ouvia dos sobreviventes. Horas infindáveis de explicação sobre como tinham sido atacados e quantas naves eram. Desenha símbolos, relata dados analíticos, calcula quanto tempo faz isso. Ia me dando sono, além da fome. Eu entendia muito pouco. Não sabia se eles falavam de uma guerra de armas ou era uma história de ficção científica, porque falavam em “bomba”, em “andróides iguais a humanos”, e “dados alterados”, “ondas magnéticas” tentando combater “ondas sonoras”, e tantos nomes estranhos como “Lizzi”, “Exion” “USB” e coisas que não tinham sentido numa mesma frase. Depois de muito conversar, eles deixaram Dion trabalhar numa máquina que parecia ser o computador deles. Fiquei por ali, mesmo porque eu não enxergava muito longe, com aquele gelo seco todo. Dion ia falando monocordiamente, porque sua concentração estava naquela máquina, mas explicou que essa era uma guerra horrível porque eles não tinham muitas defesas contra o inimigo. Comentei que nenhum mal surgia do nada e tudo era uma reação em cadeia. A gente precisava descobrir o núcleo deste problema, ir lá e resolver. Ele me olhou com aquele olho transparente e socou:
-Como a gente faz pra descobrir isso?
-Encontra quem é a pessoa que está por traz de toda essa onda de reações!
-Como é?
-Temos que achar o núcleo da guerra, que geralmente é uma pessoa só!
-Isso não é brincadeira, Uli! Você acha que as coisas são tão simples assim?
-Você acha que são complicadas?
É. Cada lugar aceita a gente de uma maneira. Aceitei ser vista como criança, fazer o quê? Não entendia nada daquilo mesmo, só ia poder participar em presença. Mas logo descobri minha utilidade como tradutora do Dion. Eles o conheciam e ficaram muito felizes de serem encontrados por ele, porque parecia que ele tinha como salvar o pessoal. Fomos para uma sala grande, um pouco mais iluminada, mas ainda muito embaçada, como se estivessem soltando gelo seco a todo o momento. Me colocaram sentada em uma cadeira e eu ficava brincando de repetir tudo que ouvia dos sobreviventes. Horas infindáveis de explicação sobre como tinham sido atacados e quantas naves eram. Desenha símbolos, relata dados analíticos, calcula quanto tempo faz isso. Ia me dando sono, além da fome. Eu entendia muito pouco. Não sabia se eles falavam de uma guerra de armas ou era uma história de ficção científica, porque falavam em “bomba”, em “andróides iguais a humanos”, e “dados alterados”, “ondas magnéticas” tentando combater “ondas sonoras”, e tantos nomes estranhos como “Lizzi”, “Exion” “USB” e coisas que não tinham sentido numa mesma frase. Depois de muito conversar, eles deixaram Dion trabalhar numa máquina que parecia ser o computador deles. Fiquei por ali, mesmo porque eu não enxergava muito longe, com aquele gelo seco todo. Dion ia falando monocordiamente, porque sua concentração estava naquela máquina, mas explicou que essa era uma guerra horrível porque eles não tinham muitas defesas contra o inimigo. Comentei que nenhum mal surgia do nada e tudo era uma reação em cadeia. A gente precisava descobrir o núcleo deste problema, ir lá e resolver. Ele me olhou com aquele olho transparente e socou:
-Como a gente faz pra descobrir isso?
-Encontra quem é a pessoa que está por traz de toda essa onda de reações!
-Como é?
-Temos que achar o núcleo da guerra, que geralmente é uma pessoa só!
-Isso não é brincadeira, Uli! Você acha que as coisas são tão simples assim?
-Você acha que são complicadas?

Eu sabia de um caso de alguém que tinha ficado numa realidade de forma não comunicativa durante muito tempo - quem era mesmo?- e essa pessoa via tudo, sentia, mas era como se toda realidade fosse só imagem. Seu corpo atravessava objetos, pessoas e tudo que deveria ser sólido. Fiquei com medo de viver isso, mas não podia negar ajuda a um colega viajante, não pegava bem, não era ético. Ao mesmo tempo pensava, como vou voltar com o Dion? O que vou explicar no meu mundo? E outra, como iria leva-lo? Decidi tentar, mesmo que não desse certo, iria juntar minha energia com a dele em estado meditativo e me concentrar em casa. Se não desse certo, o que podia acontecer? Eu chegaria em casa e ele não. O que mais podia acontecer. Bom, veremos. Quando pensei isso terminei de levantar e disse, toda segura de mim:
-Vamos? Já estou ficando com fome.
Segurei na mão dele e senti que ele tinha uma energia pessoal muito intensa. Ele vibrava num padrão diferente. Se bem que eu não fico encostando em todo mundo que eu encontro, aliás, evito muito isso. Mas ele tinha uma vibração forte.
-Segura em mim, eu falei.
Fechei meus olhos para me concentrar melhor e também porque estava tímida com ele me olhando daquele jeito enquanto eu me concentrava.Pensei em casa, vi a bola de galáxia rodando do jeito certo e familiar, pulei nela me lembrando da sensação das mãos dele segurando as minhas, e fiquei olhando a galáxia se aproximar, quando de repente, nos desviamos e a luz explodiu. Levei um susto e abri os olhos rápido. Ainda segurava as mãos do Dion, mas dessa vez ele estava muito mais alto do que eu. Olhei em volta e parecia noite. Meus olhos estavam embaçados e eu estava meio tonta; podia ser de fome.
-Nossa, acho que alguma coisa deu errado, Dion. Não estamos em casa. Essa não é minha casa. Que lugar é esse será? Puxa, estou com fome. Acho que já deve estar na hora da janta e ainda estamos aqui. Será que você desviou nossa rota? No que você estava pensando quando eu pulei na galáxia, Dion? Dion, você está me ouvindo?
-Shhhh, fica quieta Uli, vão encontrar a gente!
-Quem vai encontrar a gente? – falei sussurrando.
-Eles.
-Eles quem, catapum?
Catapum é um xingamento meu. Denota pânico.Acho ruim ficar usando nomes, substantivos, adjetivos ou até nomes de santos para tentar descrever um momento interno, por isso uso uma onomatopéia, porque acho mais certo.
Agora vamos voltar lá.
-Eles quem, catapum? Onde a gente está? Você conhece aqui? – estava começando a ficar nervosa e o comportamento do Dion não me relaxava nem um pouco.
-Estamos num campo de batalha.
Eu disse – O quê?!!!- Olhei em volta e era muito escuro, embaçado, mas via uns destroços de máquinas, parecia, uns sons estranhos e um ronco que ia aumentando.
-Que ronco é esse, Dion?
-Ronco, que ronco? Estamos num campo de batalha, Uli, não faça barulho até eu saber como tirar a gente daqui.
O ronco começou a aumentar me induzindo a temer pelo pior. O chão começou a vibrar, foi quando o Dion encostou as mãos no chão e olhou em volta, com nervosismo. Percebi que ele não estava ouvindo, só sentindo aquele ronco, e não tinha como saber da onde vinha o som. Procurei e identifiquei uma direção. Corri, peguei na mão dele e falei, tentando não gritar:
-Vem de lá! – apontei.
Ele me puxou para a direção oposta e disse – Corre! – Nossa, eu não corri, eu voei, com Dion me puxando pelo braço. Ele corria, mas eu voava e pensei, “como fui ficar tão pequena?” . Encontramos um prédio que parecia estar afundando no chão. Entramos pela janela, que mais parecia uma porta pequena, porque estava na altura do chão. L´pa dentro, com o piso meio torto fazendo a gente escorregar sempre pra esquerda, fomos entrando para o escuro e paramos antes de não saber onde estávamos pisando. Respiramos ali, aguardando um próximo susto enquanto a gente tentava voltar ao normal.
-Você ouviu?
Ouvi, eu falei. Ficamos quietos. Que lugar era aquele?

E era o que eu estava fazendo quando encontrei aquele homem que consertava aquela nave no meio daquele campadão. Os olhos dele eram muito claros, e ele tinha todos os sinais de uma grande inteligência. Mas tinha algo a mais que me intrigava e atraía; um certo enfado, como se tudo o que é importante para o mundo não passa de bobagem e o que é verdadeiramente importante, o mundo não tem nem idéia do que seja. Era isso, ele sabia de alguma coisa que os seres humanos comuns não sabiam. Por isso foi muito importante encontrar com ele. Eu o chamei de Dion, porque ele falava em íons o tempo todo; íon magnético, força iônica, e tantas outras coisas que só dá pra entender o conceito e ir sublimando o resto. Sempre tive dificuldade com representações, por isso sou ruim em matemática. Dion calculava o ar. Contava de uma guerra entre homens e máquinas e seres de outros planetas. Ele estava lutando contra um partido que pretendia controlar a energia do planeta. Quando o encontrei naquele dia dos ovos mexidos ele me disse que estava naquela realidade fazia muitas semanas, sozinho, sem conseguir portas. Perguntei se a nave era dele e ele disse que não, que não sabia de quem era, mas que tinha esperança de sair dali com ela. Ficamos conversando até ele terminar de concertar. Ele era responsável pela parte de computadores de uma tal de Estufa, e seu trabalho era alguma coisa do tipo controlar entradas de um troço que organizava tudo que existe dentro do computador, ou sei lá, e os invasores atacaram e roubaram um certo mainframe daquilo que ele operava, explodiram o lugar de trabalho dele e ele acordou ali. Era uma história estranha e muito difícil de entender, principalmente porque ele parecia detestar explicar as coisas. Por que que é sempre assim, quem mais sabe, menos quer explicar? Bom, o Dion simplesmente não explicava e eu entendi logo que seria inútil ficar perguntando o que, pelo olhar de tédio dele, parecia ser o Beabá do seu mundo pessoal. Não gosto de parecer idiota ou matuta quando conheço alguém de outra realidade, então me esforço muito para ninguém notar minhas idiotices e o quanto eu não entendo das coisas; depois da conversa, vou pensar em casa. Aliás, o problema todo tem sido este; onde é minha casa? Eu já estava começando a ficar com fome quando Dion terminou de concertar aquela coisa e foi, todo decidido, experimentar ligar. Eu me afastei por precaução e foi a sorte, porque aquela coisa fez um barulhão ensurdecedor e um estalo, vibrando muito, soltando fogo por um dos lados e depois o som desmaiou. Fiquei olhando, esperando mais alguma coisa quando vi o Dion sair de dentro daquilo, muito brabo, parecendo xingar em códigos iônicos. Esperei, porque não é bom interferir em movimentos internos tão intensos. Ele sentou no chão com a cabeça entre as mãos. Fui chegando perto devagar, para não incomodar a tristeza dele, e me sentei perto. Ele olhou pra mim e disse:
-Desculpe Uli, não consegui tirar a gente daqui.
Uli. Eu tinha acabado de ser batizada por ele, o que provava que ele era como eu, um viajante.
-Mas eu não estava tentando sair, Dion.
Falei, então, o nome dele para ele saber e também para me exibir de que eu também era uma batizadora. Acho que impressionei porque ele olhou surpreso.
-Como você entrou?
_Pela minha parede, ora!
-Onde fica sua parede, Uli?
-Eu acho que eu tenho o código dela em mim, é só eu me concentrar que eu volto.
-Você pode me levar?
Não tinha pensado nisso, mas não quis parecer mal educada.
-Claro.
-Então vamos.Ele ficou de pé. Enquanto eu levantava minha cabeça estava a mil. Como iria leva-lo? Sei me levar, agora levar outra pessoa, como será? Não sabia se ele ia caber no meu mundo, e se não coubesse, o que podia acontecer? E se eu ficasse perdida? Bom, perdida eu já estava, mais um pouco iria fazer pouca diferença.

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

...continua...

Voltou a trabalhar no que estava fazendo e esse comportamento me intrigou. Ele não tinha achado nem um pouco estranho minhas respostas. Isso não era freqüente.O mais comum era cenas de espanto das mais variadas. Uma vez, me lembro, uma moça saiu gritando, e teve aquele cara que rachou de dar risada comigo. É um momento tenso, esse. Tem lugares que acomodam melhor a cabeça e tem outros que é mais difícil. Já estive em realidades que não conseguia me lembrar de nada do que eu era, ou serei. Nem meu nome eu me lembrava, foi então que pedi para me darem um nome e meu cicerone fez: Ananta. Ele era grego, ou falava grego muito bem, não sei. Essas questões de língua eu só consigo reconhecer quando é realmente uma questão. Fora isso eu entendo todo mundo e todo mundo me entende não importa o mundo que estou, entende? Mas dá pra saber, às vezes, ou ter uma idéia a língua que a pessoa está usando. Este senhor era um sábio e viajei muito com ele e por mais que ele me falava seu nome, eu nunca conseguia gravar. No momento em que ele dizia, eu já esquecia. Então o renominei: Alef. Quando o encontrei pela primeira vez foi numa biblioteca antiga, de pedra, muito fria, que fedia a mofo e couro. Ele usava um hábito de monge e estava debruçado num livro com capa de madeira e metal que devia pesar muito. Quando me viu ele pulou pra trás, usando o castiçal numa mão e uma cruz na outra, apontando os dois pra mim. “Sou de Deus!” ele dizia e repetia. Eu disse “tudo bem, não ligo pra isso” e ele parou, com a dúvida superando o medo. Ele tinha um rosto meio infeliz, mas seus olhos brilhavam. É interessante notar como cada realidade tem a ordem de aparência diferente. É como comparar a pele de um europeu com a pele de um brasileiro. O europeu tem a pele fina, sempre limpa, apesar de suada e vermelha. Já o brasileiro tem a pele calejada, por mais cuidado que tome. A aparência que as pessoas tomam fala muito do mundo delas. Eu gosto dos bonitos. Por instinto eu aprendi que um corpo bem alinhado, com expressões sutis e suaves, boa aparência e aromas agradáveis têm estreitíssima ligação com um contato civilizado e boa inteligência. Alef trazia tudo isso nos olhos, apesar do seu corpo feder, expelir um óleo sujo e ter rugas ásperas de tristeza. Ele me contou que estava trabalhando numa tradução e não quis falar muito. Estava curioso com a minha presença ali. Fui aos poucos descobrindo sobre seu tempo, que hoje eu sei catalogar no tempo linear. Ele era um monge num monastério da idade média, em plena inquisição, e copiava obras que tinham sido condenadas, no escurão da noite, tendo um castiçal e um crucifixo para se iluminar. A sua luz era inegável. Eu passava os olhos nos seus textos carcomidos. Alguns com aparência de terem sido resgatados de uma fogueira, outros mal davam para entender as letras pálidas que ainda estavam presas nas folhas. Eu fiquei muito tempo visitando Alef na sua biblioteca, convivendo com aquela história cheia de quiprocós e tropeços, até um dia que não consegui encontra-lo mais. Por mais que eu tentasse, nunca mais entrei naquela biblioteca de pedra. Foi só nesta realidade que eu fui entender a história que Alef pesquisava: a vida de Jesus. Me lembro bem de mapas, inscrições em tumbas, árvores genealógicas e várias outras informações que até parece outra história. Até parece, não. É. Às vezes é muito difícil de reconhecer as histórias, porque muda muito de uma realidade para outra; uma história se estende pelas realidades e tem sempre muitos lados, não é uma verdade concreta. Bom, nada é. Muito menos as pessoas. É incrível a ausência de vilões e mocinhos nas histórias por aí. Quando hoje eu vejo nos filmes, estranho muito o maniqueísmo e fico com a impressão é que o contador teve preguiça de contar o outro lado e só contou um. Já conheci heróis que , quando encontrei, estavam sentados na beira do caminho, chorando de medo ou de dor. Já vi grandes gênios se atrapalhando com suas próprias emoções. Somos seres multifacetados demais para termos uma só versão, e isso inclui ocupar uma única realidade. Todas as possibilidades de existência não cabem num único mundo, eu acho. As histórias fazem um caminho entre esses mundos internos das pessoas. Dá pra entrar numa história através de outra história. Não é que uma está dentro da outra, mas, uma corta a outra e segue para outro caminho, outro mundo. Quando um evento é muito forte, ele abala muitos caminhos e eles se embaralham. Tudo muda e quem está viajando, pode ficar perdido. Como eu fiquei. Me perdi por aqui e não sei mais como sair. Bom, estou procurando a porta.

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Diário de uma Viajante



Eu deveria ter ido à aula naquele dia. Ia ter matéria nova, mas decidi ficar em casa porque estava sentindo que a minha perna não estava respondendo normalmente, como se eu estivesse num lugar e ela em outro. Pra não me arrebentar, resolvi ficar parada e acertar isso. Tive fome e preguiça de fazer comida, ao mesmo tempo. São duas coisas que, se batem juntas na gente, não se desvia de nenhuma; lutei com a fome e depois com a preguiça de fazer qualquer coisa. Da fome eu perdi, mas acabei tendo uma vitoriazinha sobre a preguiça que eu resolvi comemorar com uns ovos mexidos. Comi e fiquei ouvindo o tempo. Um pássaro contava alguma coisa enquanto alguém gritava instruções para outro alguém mais distante... Uma máquina que podia ser doméstica, uma panela cozinhando, um zumbido de uma nota só, um choro de criança chata... Resolvi deixar aquele mundo onde eu não era nada e entrei na minha parede, sem saber onde eu ia parar. Foi bom quando aquele chorinho de criança sumiu dos meus ouvidos. Passado a sensação incômoda de atravessar a parede, o que é sempre meio ruim, veio logo uma brisa de outro mundo, com cheirinho de diferente, perfume que sempre me agradou. Sempre atravesso de olhos fechados porque gosto de ser surpreendida pela nova imagem. Isso já me deu muitos problemas. Uma vez levei uma bolada no nariz porque estava no meio de uma pelada de moleques de rua. Fiquei dias sem respirar direito, com aquela sensação de choro no rosto. Nesse dia dos ovos mexidos eu atravessei para uma colina ou campo, sei lá o que era aquilo. Sentei ali, na grama, no calorzinho do sol porque ventava meio frio e eu, pra variar, não estava agasalhada. Mas é só o primeiro impacto, quando a mente diz que é estranho e diferente e por isso devemos dar um passinho para trás e não se atirar radicalmente. O frio é isso, um resto de medo que ainda não foi dominado do desconhecido. Mas não me preocupo com ele, sei que está ali pra me defender, como autopreservação; e um medinho é sempre bom pra aumentar a emoção. Sentei naquela grama pra deixar que minha existência seja aceita naquele mundo, como a gente faz com os gatos e com pessoas selvagens, a gente espera que se acostumem com a nossa presença. Aproveitei pra olhar em volta e ver se estava em algum lugar ou era só nada mesmo onde eu fui parar, quando notei que todos os sons tinham ido embora, menos o zumbido de uma nota só. Fiquei curiosa e fui arás do som. Podia ser um bicho,ou qualquer outra coisa. Passei um morrinho e atrás do morro vi uma monstruosidade de um avião, ou nave, mais parecia uma nave mesmo, meio enferrujada parecia, ou a cor dela era aquela mesmo e tomava muitos metros do chão e estava como que enterrada parcialmente e me ocorreu que tivesse caído do céu. Era uma visão impressionante, porque eu sabia que era uma máquina de voar, porque essas coisas a gente sente no coração da lógica, mas não compreendia como uma coisa daquelas podia levantar dali, já que parecia tão incrivelmente pesada. Eu não via porta ou janela, não tinha roda nem turbina nem hélice, mas uma infinidade de placas de metal velho, tubos retorcidos e coisas assim, que não me davam a idéia se era daquele jeito mesmo ou era alguma coisa que não tinha dado certo de ser, se é que fui clara. Uma coisa era certa, o zumbido vinha dali daquela coisa. Fui arrodeando para chegar perto do que zumbia , na esperança de ter um pedacinho maior de entendimento, porque os pedaços que eu já tinha não estavam se encaixando. Numa fresta do relevo daquela coisa eu vi algo que se mexeu. Voltei na hora. Parecia uma carapaça de um bicho grande. Meu coração avisando perigo, disparou o alarme e eu comecei a ficar quente. Tentava decodificar a imagem vista mas era pior, porque começava a imaginar a parte oculta da foto, tentando completar para ver o que não tinha visto; uma mania do cérebro. O que eu imaginava não estava fazendo o alarme diminuir e o som do retumbar no meu peito já estava subindo pras orelhas quando o zumbido parou. Minha curiosidade foi mais rápida que meu bom senso e instintivamente, olhei. Era uma pessoa. Estava agachado e levantou, tirando um capacete da frente do rosto que parecia com aqueles de soldador. Seu rosto tinha uma atenção inteligente e se movia com a desenvoltura de quem sabia o que estava fazendo. Entendi que ele estava consertando aquilo. Quando ia mudar de ângulo ele me viu. Não pareceu se assustar. Ficou uns segundos me olhando, e eu naquela de “me mostra qual a sua reação para eu saber qual será a minha abordagem”, até que ele:
-Quem é você?
-Uma viajante, como você.
-Ah. E da onde você vem?
-De outro tempo.
-E viajou no quê?
-Não uso máquina, elas me confundem.
-Sei. (Pareceu se aborrecer) É o que todos acham.