quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Poesia para um encontro

Quando eu conheci Dion e Anantha eu fiz esse poema para eles,vem acompanhado de um desenho,mas não pude colocá-lo aqui,probleminhas técnicos.Guardo ele comigo como uma delicada preciosidade em minha caixa de recordações.Como minha amiga viajante diz cada lugar aceita a gente de uma maneira...Pra mim não importava o formato,mesmo criança ela era grande,mesmo adulta ela guarda o renovador e curioso olhar que se encontra na infância.

A pequena mão pousou no peito de um imenso Universo
e dele fez brotar seus dedos e seus anéis.
E assim crescendo,
enovelaram-se em pequenos cachos vermelhos e dourados.
Mãos que projetam um futuro,traçando camas que navegam pelos sonhos,
contornando asas de borboletas,
planejando naves e desenhando pássaros,
criando fórmulas e caminhos que levam até uma Casa.
Desenhos animados pelo corpo e pelo Mundo ocupando todo o espaço
Mãos que se enlaçaram na delicada função do laço.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Diário de uma viajante

Em Tejana

Fui parar na aldeia de Triana por um lago. Era noite quando eu cheguei lá e no começo não tinha idéia de onde estava. Estava muito frio, minha roupa toda molhada, deitei naquela margem lamacenta, tentando me aninhar em mim mesma, pensando no Dion que tinha ficado lá naquela realidade das máquinas-soldados, preocupada com ele, com aquelas pessoas todas que moravam ali, assustadas com as máquinas que engoliam pessoas. O medo tem sempre uma cara muito feia, não importa onde. Pensava que eu poso fazer tão pouco pelas pessoas que eu venho a conhecer! O Dion, como o amei desde o primeiro momento que o vi ali, naquela nave, se esforçando para sair daquele mundo. Será que ele ficou bem? Como poderei me encontrar com ele de novo, se ele também viaja?
-Quem está chorando?
Ouvi essa voz atrás de mim. “Chorando?”, pensei. É, estava.
-Quem está aí?
Tentei me mexer e não conseguia. Meu corpo estava muito cansado. “Aqui!”, respondi. No clarão da lua apareceu uma mulher bonita, senhora já, de saia comprida e um chalé nos ombros. Tinha jóias, nas orelhas e nos dedos e cheirava a jasmim. Ela me olhou e ficou atordoada. Me disse com uma voz terna:
-Calma, minha querida, já vamos te tirar daí.
Ao mesmo tempo virou para trás de si e gritou:
-Juan! Juan, venha ajudar, depressa! Um anjo acaba de cair do céu!

Era uma aldeia de ciganos. Grande. O Juan, um cigano bonito com uma argola na orelha e que cheirava a mato molhado com tabaco, me carregava nos braços. Ainda não podia me mexer direito, com um cansaço espalhado por todo meu corpo. Me levaram para uma tenda, muito ricamente decorada, cheia de vasos de bronze, tapetes, almofadas. Me colocaram num almofadão que me cabia inteira e Juan saiu. Entrou uma mocinha que parecia que tinha sido arrancada do sono, carregando uma jarrona de água quente que ela colocou numa tina. Me despiram com muito respeito e me colocaram na água morna, relaxante, confortável. Elas murmuravam alguma coisa enquanto me banhavam. Tentei uma comunicação.
-Meu nome é Anantha.
-Samantha.
-Não, Anantha.
-Sim, Samantha.
-Bom, que seja. Eu não vim do céu. Não sou um anjo, viu? Eu saí do lago e vim parar aqui.
-Sim. Anjo da água. Samantha.
Aquela mulher não era de muito papo. Resolvi conversar com a mocinha.
-Meu nome é Anantha. Qual é o seu?
-Natacha.
-Que nome bonito.
Quis ser educada, porque na verdade achei o nome dela bem esquisito. Perguntei o nome da senhora e Natacha disse:
-Triana.
Me soou bonito. Três Anas e não uma só. Ela era ‘madrecita’ de Natacha. Pensei que significava que ela era mãe mesmo, mas só muito tempo depois eu fui entender que ‘madrecita’ era ‘senhora’. Ela era a rainha, era isso.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Diário de uma Viajante

Diário de uma Viajante
Os dias que passam arrastados, de um ano qualquer.

Talvez, ser uma viajante seja um caso de física quântica, ou algo parecido. Antigamente, (e quando eu falo antigamente eu quero dizer numa realidade fora do tempo) havia um povo que viajava com muita facilidade entre as realidades: se chamavam kazares. Para os kazares, as realidades eram separadas por portas invisíveis que poderiam ser conectadas através do mental. Com o pensamento como chave, eles viajaram muito; e devido sua personalidade nada turística, os kazares foram alterando as realidades que visitavam, o que os levou a um exílio em realidades fechadas, sem portas nem janelas. Só paredes.
Hoje é muito fácil compreender isso tudo sobre viagens, tempo que não existe, portas invisíveis e essa coisa toda. O que não é fácil é ser levado a sério.

Diário de uma Viajante

Diário de uma Viajante
Um tempo qualquer de um lugar por aí



Uma coisa que todo viajante deve saber é sobre o tempo. Bom, pra começar o tempo não existe; é algo inventado para melhor se organizar uma realidade. Mas isso eu falo outra hora. Vou falar agora dessas organizações de realidade, que não podem ser levadas muito a sério por quem é viajante, ou um dia pretende ser, porque são feitas para organizar e não para serem respeitadas como leis, o que acontece com freqüência. Nessa realidade, por exemplo, as manifestações são organizadas de uma forma muito física. As pessoas se dividem em cor ou condição financeira. Acredite se quiser é isso que divide as espécies e organiza a realidade, fatores mais absurdos, impossível. Eu acho muito mais lógico a realidade que divide em espécies; anjos, demônios, gênios, vampiros... Fica mais organizado. Tem aquela, de Java, que divide por nível de pensamento, o que é interessante também. Conforme o nível que o indivíduo atinge com sua produção mental, isso define sua manifestação. Neste lugar os indivíduos pareciam mais alaranjados que os demais.Existem tantas formas de manifestação que... Ah sim, manifestações são, a grosso modo, a forma que uma coisa vai ter numa realidade,; como vai parecer. Somos seres hominais, e temos a divisão de físico, espírito, alma, e mental, que em outros casos levam outros nomes, mas dá na mesma. Depende dos níveis de freqüência de cada um desses fatores que levam a uma representação de manifestação física. A aparência de alguém depende mais do lugar que ela está do que quem ela é, essa é a conclusão. Dessa maneira que em determinadas realidades eu pareço criança, e outras não. Esses são os pensamentos de hoje.

domingo, 2 de dezembro de 2007


Até onde eu posso me lembrar eu sempre viajei. Mesmo antes de chegar aqui, que eu nem me lembro quando foi porque agora minha memória já está misturada com as informações do meio. Só tenho sensações, que são mais cheiros e aromas de memória do que lembrança. Mas o que é memória senão os registros dos sete sentidos corporais? Lembramos de imagens, de sons que lembram outras coisas, de cheiros, e quanto mais distante da memória estamos, mais fragmentado fica esses registros. É quando lembramos de um rosto, mas não do nome ou da referência desse rosto, ou lembramos só de um pedaço que nem sabemos o que significa. Da minha casa eu me lembro do clima. Ameno. Lembro de sons, vozes, aromas, as roupas, os sorrisos, e da minha sensação de bem estar e segurança. Não sei onde fica; a cada dia lembro menos e me distancio mais. Tenho saudades de coisas que nem sei o que são. Fico com o peito pesado, triste, querendo escrever uma carta pra alguém, mas nunca sei quem ou do quê sinto falta. Já não lembro mais. Caí aqui e agora não sei voltar.
Naquele dia eu senti essa sensação de novo. Lá estava eu num lugar estranho novamente, sem saber como entrei e muito menos como vou sair. De frio, fome, medo e cansaço, acabei dormindo naquela lama. Amanheceu e eu vi que era um lago grande. Circundado por uma vegetação bonita e espessa. Para a minha direita se abria um vale, mas para a esquerda era uma floresta sem fim.
Depois que brigamos ele voltou a mexer naquilo e não conversou mais. Eu fiquei pensando nisso, em quem poderia ser e ele voltou à vida. Contou de um general que todos temiam, mas que ele não sabia se existia mesmo um general, ou se eram vários generais guiados por alguém que nem ali estava. Disse que se sabe pouco sobre ele, mas que não é humano; é de outro planeta.
-Seja quem for é alguém que não gosta de conversa. Ele tortura e mata. Os exércitos são implacáveis, não deixam nada para trás. Todos que chegaram perto desse exército não quer fazer de novo. Eu já vi muita coisa feia que eles deixaram pra trás. Não sei se é uma boa idéia a gente tentar resolver dessa maneira não.
-Ninguém é totalmente mau, Dion. Todo mundo age por algum motivo, por alguma crença. Se faz coisas ruins, faz porque acredita ser esse o caminho melhor! Esse general deve ter um propósito que a gente precisa descobrir!
-Pode tirar o plural dessa sua frase porque você não vai pra lugar nenhum! Já se meteu demais nessa história e já está na hora de voltar pra sua casa...
-Ei! Não sou criança, não, e você sabe disso!
Uma menininha falando isso!
-Uli, é perigoso chegar perto disso! E além do mais nem é problema seu!
-Como que não é problema meu, Dion? Você não está me vendo aqui? Se eu estou aqui com você isso é problema meu também! E pára com essa idéia que a gente tem outras coisas pra pensar. E se a gente reunisse todos...-
um estouro de repente me assustou. Parecia uma bomba, e estava muito perto. Dion me olhou.
-O que foi?
-Um estouro! Acho que é bomba!
-Vem de que lado? – falou enquanto tirava um ferrinho da máquina e escondia no bolso.
-De lá, eu disse, enquanto ouvia gritos e tiros.
Corremos para o outro lado. Dion tentou segurar na minha mão mas não deu. Todo mundo queria passar pela porta ao mesmo tempo. Todo mundo me empurrava e me chutava, porque eu estava menor que a maioria. Um homem grande me ergueu acima da cabeça de todos, me tirando do sufoco, foi quando eu vi, na nossa frente, um exército enorme apontando armas contra as pessoas que saiam do prédio.
-O exército- eu gritei – bem na nossa frente! Corram pro outro lado! Rápido! –o grandão não mudava de direção e estávamos correndo direto para a ponta daquelas armas quando eu vi um entrando dentro do outro. As pessoas atravessavam o exército como se fossem fumaça. Eu os estava vendo nitidamente, sem nebulosidade nenhuma. Vi um soldado vindo na nossa direção, determinado. Pensei que quando ele chegasse na nossa frente ele atravessaria a gente como todos os outros, mas ele veio pra cima de mim e, para meu pânico, me agarrou dos braços do meu novo amigo e me puxou para ele. Quando eu estava sendo carregada por ele tentei olhar pra trás, pedindo ajuda. Meu amigo olhou espantado e veio na minha direção para me pegar quando outros soldados entraram no meu campo de visão. Consegui me desvencilhar das mãos do soldado, mas não consegui ir muito longe.Eles me encurralavam como se eu fosse uma galinha, abrindo os braços para eu não fugir. Eu sentia falta de ar de medo e tentava gritar, mas não fazia porque achei que isso fosse me desconcentrar do foco principal: escapar. Lembrei da galinha e corri, mudando de direção a cada momento. Como eles eram muito altos, tinham dificuldades em acompanhar as viradas bruscas de direção, e com isso eu fui ganhando distância deles. Já estava ficando cansada quando olhei pra trás, pra ver se já dava pra diminuir um pouco o ritmo; não vi onde pisei, só senti a queda. Gritei. Parece que tinha pulado de um despenhadeiro e estava voando no ar, vendo o chão se aproximando da minha cara cada vez mais. De medo do impacto eu fechei os olhos e gritei. Não sei como, de uma hora pra outra, estava eu dentro da água, gritando lá em baixo! Olhei pra todo lado sem entender nada, mas sabendo de uma coisa; preciso de ar, preciso ir para a tona, agora! Remei para onde eu achava que tinha que ir e curiosamente meu corpo ia subindo. A sensação era de ter sido empurrada de baixo da água para cima dela. Facilmente cheguei na tona, meio tossindo e com o cabelo todo na cara, dificultando respirar sem água. Nadei, tossia mais, nadava mais um pouco para a margem. Estava escuro e pensei – mais um lugar onde não enxergo direito.

É. Cada lugar aceita a gente de uma maneira. Aceitei ser vista como criança, fazer o quê? Não entendia nada daquilo mesmo, só ia poder participar em presença. Mas logo descobri minha utilidade como tradutora do Dion. Eles o conheciam e ficaram muito felizes de serem encontrados por ele, porque parecia que ele tinha como salvar o pessoal. Fomos para uma sala grande, um pouco mais iluminada, mas ainda muito embaçada, como se estivessem soltando gelo seco a todo o momento. Me colocaram sentada em uma cadeira e eu ficava brincando de repetir tudo que ouvia dos sobreviventes. Horas infindáveis de explicação sobre como tinham sido atacados e quantas naves eram. Desenha símbolos, relata dados analíticos, calcula quanto tempo faz isso. Ia me dando sono, além da fome. Eu entendia muito pouco. Não sabia se eles falavam de uma guerra de armas ou era uma história de ficção científica, porque falavam em “bomba”, em “andróides iguais a humanos”, e “dados alterados”, “ondas magnéticas” tentando combater “ondas sonoras”, e tantos nomes estranhos como “Lizzi”, “Exion” “USB” e coisas que não tinham sentido numa mesma frase. Depois de muito conversar, eles deixaram Dion trabalhar numa máquina que parecia ser o computador deles. Fiquei por ali, mesmo porque eu não enxergava muito longe, com aquele gelo seco todo. Dion ia falando monocordiamente, porque sua concentração estava naquela máquina, mas explicou que essa era uma guerra horrível porque eles não tinham muitas defesas contra o inimigo. Comentei que nenhum mal surgia do nada e tudo era uma reação em cadeia. A gente precisava descobrir o núcleo deste problema, ir lá e resolver. Ele me olhou com aquele olho transparente e socou:
-Como a gente faz pra descobrir isso?
-Encontra quem é a pessoa que está por traz de toda essa onda de reações!
-Como é?
-Temos que achar o núcleo da guerra, que geralmente é uma pessoa só!
-Isso não é brincadeira, Uli! Você acha que as coisas são tão simples assim?
-Você acha que são complicadas?
É. Cada lugar aceita a gente de uma maneira. Aceitei ser vista como criança, fazer o quê? Não entendia nada daquilo mesmo, só ia poder participar em presença. Mas logo descobri minha utilidade como tradutora do Dion. Eles o conheciam e ficaram muito felizes de serem encontrados por ele, porque parecia que ele tinha como salvar o pessoal. Fomos para uma sala grande, um pouco mais iluminada, mas ainda muito embaçada, como se estivessem soltando gelo seco a todo o momento. Me colocaram sentada em uma cadeira e eu ficava brincando de repetir tudo que ouvia dos sobreviventes. Horas infindáveis de explicação sobre como tinham sido atacados e quantas naves eram. Desenha símbolos, relata dados analíticos, calcula quanto tempo faz isso. Ia me dando sono, além da fome. Eu entendia muito pouco. Não sabia se eles falavam de uma guerra de armas ou era uma história de ficção científica, porque falavam em “bomba”, em “andróides iguais a humanos”, e “dados alterados”, “ondas magnéticas” tentando combater “ondas sonoras”, e tantos nomes estranhos como “Lizzi”, “Exion” “USB” e coisas que não tinham sentido numa mesma frase. Depois de muito conversar, eles deixaram Dion trabalhar numa máquina que parecia ser o computador deles. Fiquei por ali, mesmo porque eu não enxergava muito longe, com aquele gelo seco todo. Dion ia falando monocordiamente, porque sua concentração estava naquela máquina, mas explicou que essa era uma guerra horrível porque eles não tinham muitas defesas contra o inimigo. Comentei que nenhum mal surgia do nada e tudo era uma reação em cadeia. A gente precisava descobrir o núcleo deste problema, ir lá e resolver. Ele me olhou com aquele olho transparente e socou:
-Como a gente faz pra descobrir isso?
-Encontra quem é a pessoa que está por traz de toda essa onda de reações!
-Como é?
-Temos que achar o núcleo da guerra, que geralmente é uma pessoa só!
-Isso não é brincadeira, Uli! Você acha que as coisas são tão simples assim?
-Você acha que são complicadas?

Eu sabia de um caso de alguém que tinha ficado numa realidade de forma não comunicativa durante muito tempo - quem era mesmo?- e essa pessoa via tudo, sentia, mas era como se toda realidade fosse só imagem. Seu corpo atravessava objetos, pessoas e tudo que deveria ser sólido. Fiquei com medo de viver isso, mas não podia negar ajuda a um colega viajante, não pegava bem, não era ético. Ao mesmo tempo pensava, como vou voltar com o Dion? O que vou explicar no meu mundo? E outra, como iria leva-lo? Decidi tentar, mesmo que não desse certo, iria juntar minha energia com a dele em estado meditativo e me concentrar em casa. Se não desse certo, o que podia acontecer? Eu chegaria em casa e ele não. O que mais podia acontecer. Bom, veremos. Quando pensei isso terminei de levantar e disse, toda segura de mim:
-Vamos? Já estou ficando com fome.
Segurei na mão dele e senti que ele tinha uma energia pessoal muito intensa. Ele vibrava num padrão diferente. Se bem que eu não fico encostando em todo mundo que eu encontro, aliás, evito muito isso. Mas ele tinha uma vibração forte.
-Segura em mim, eu falei.
Fechei meus olhos para me concentrar melhor e também porque estava tímida com ele me olhando daquele jeito enquanto eu me concentrava.Pensei em casa, vi a bola de galáxia rodando do jeito certo e familiar, pulei nela me lembrando da sensação das mãos dele segurando as minhas, e fiquei olhando a galáxia se aproximar, quando de repente, nos desviamos e a luz explodiu. Levei um susto e abri os olhos rápido. Ainda segurava as mãos do Dion, mas dessa vez ele estava muito mais alto do que eu. Olhei em volta e parecia noite. Meus olhos estavam embaçados e eu estava meio tonta; podia ser de fome.
-Nossa, acho que alguma coisa deu errado, Dion. Não estamos em casa. Essa não é minha casa. Que lugar é esse será? Puxa, estou com fome. Acho que já deve estar na hora da janta e ainda estamos aqui. Será que você desviou nossa rota? No que você estava pensando quando eu pulei na galáxia, Dion? Dion, você está me ouvindo?
-Shhhh, fica quieta Uli, vão encontrar a gente!
-Quem vai encontrar a gente? – falei sussurrando.
-Eles.
-Eles quem, catapum?
Catapum é um xingamento meu. Denota pânico.Acho ruim ficar usando nomes, substantivos, adjetivos ou até nomes de santos para tentar descrever um momento interno, por isso uso uma onomatopéia, porque acho mais certo.
Agora vamos voltar lá.
-Eles quem, catapum? Onde a gente está? Você conhece aqui? – estava começando a ficar nervosa e o comportamento do Dion não me relaxava nem um pouco.
-Estamos num campo de batalha.
Eu disse – O quê?!!!- Olhei em volta e era muito escuro, embaçado, mas via uns destroços de máquinas, parecia, uns sons estranhos e um ronco que ia aumentando.
-Que ronco é esse, Dion?
-Ronco, que ronco? Estamos num campo de batalha, Uli, não faça barulho até eu saber como tirar a gente daqui.
O ronco começou a aumentar me induzindo a temer pelo pior. O chão começou a vibrar, foi quando o Dion encostou as mãos no chão e olhou em volta, com nervosismo. Percebi que ele não estava ouvindo, só sentindo aquele ronco, e não tinha como saber da onde vinha o som. Procurei e identifiquei uma direção. Corri, peguei na mão dele e falei, tentando não gritar:
-Vem de lá! – apontei.
Ele me puxou para a direção oposta e disse – Corre! – Nossa, eu não corri, eu voei, com Dion me puxando pelo braço. Ele corria, mas eu voava e pensei, “como fui ficar tão pequena?” . Encontramos um prédio que parecia estar afundando no chão. Entramos pela janela, que mais parecia uma porta pequena, porque estava na altura do chão. L´pa dentro, com o piso meio torto fazendo a gente escorregar sempre pra esquerda, fomos entrando para o escuro e paramos antes de não saber onde estávamos pisando. Respiramos ali, aguardando um próximo susto enquanto a gente tentava voltar ao normal.
-Você ouviu?
Ouvi, eu falei. Ficamos quietos. Que lugar era aquele?

E era o que eu estava fazendo quando encontrei aquele homem que consertava aquela nave no meio daquele campadão. Os olhos dele eram muito claros, e ele tinha todos os sinais de uma grande inteligência. Mas tinha algo a mais que me intrigava e atraía; um certo enfado, como se tudo o que é importante para o mundo não passa de bobagem e o que é verdadeiramente importante, o mundo não tem nem idéia do que seja. Era isso, ele sabia de alguma coisa que os seres humanos comuns não sabiam. Por isso foi muito importante encontrar com ele. Eu o chamei de Dion, porque ele falava em íons o tempo todo; íon magnético, força iônica, e tantas outras coisas que só dá pra entender o conceito e ir sublimando o resto. Sempre tive dificuldade com representações, por isso sou ruim em matemática. Dion calculava o ar. Contava de uma guerra entre homens e máquinas e seres de outros planetas. Ele estava lutando contra um partido que pretendia controlar a energia do planeta. Quando o encontrei naquele dia dos ovos mexidos ele me disse que estava naquela realidade fazia muitas semanas, sozinho, sem conseguir portas. Perguntei se a nave era dele e ele disse que não, que não sabia de quem era, mas que tinha esperança de sair dali com ela. Ficamos conversando até ele terminar de concertar. Ele era responsável pela parte de computadores de uma tal de Estufa, e seu trabalho era alguma coisa do tipo controlar entradas de um troço que organizava tudo que existe dentro do computador, ou sei lá, e os invasores atacaram e roubaram um certo mainframe daquilo que ele operava, explodiram o lugar de trabalho dele e ele acordou ali. Era uma história estranha e muito difícil de entender, principalmente porque ele parecia detestar explicar as coisas. Por que que é sempre assim, quem mais sabe, menos quer explicar? Bom, o Dion simplesmente não explicava e eu entendi logo que seria inútil ficar perguntando o que, pelo olhar de tédio dele, parecia ser o Beabá do seu mundo pessoal. Não gosto de parecer idiota ou matuta quando conheço alguém de outra realidade, então me esforço muito para ninguém notar minhas idiotices e o quanto eu não entendo das coisas; depois da conversa, vou pensar em casa. Aliás, o problema todo tem sido este; onde é minha casa? Eu já estava começando a ficar com fome quando Dion terminou de concertar aquela coisa e foi, todo decidido, experimentar ligar. Eu me afastei por precaução e foi a sorte, porque aquela coisa fez um barulhão ensurdecedor e um estalo, vibrando muito, soltando fogo por um dos lados e depois o som desmaiou. Fiquei olhando, esperando mais alguma coisa quando vi o Dion sair de dentro daquilo, muito brabo, parecendo xingar em códigos iônicos. Esperei, porque não é bom interferir em movimentos internos tão intensos. Ele sentou no chão com a cabeça entre as mãos. Fui chegando perto devagar, para não incomodar a tristeza dele, e me sentei perto. Ele olhou pra mim e disse:
-Desculpe Uli, não consegui tirar a gente daqui.
Uli. Eu tinha acabado de ser batizada por ele, o que provava que ele era como eu, um viajante.
-Mas eu não estava tentando sair, Dion.
Falei, então, o nome dele para ele saber e também para me exibir de que eu também era uma batizadora. Acho que impressionei porque ele olhou surpreso.
-Como você entrou?
_Pela minha parede, ora!
-Onde fica sua parede, Uli?
-Eu acho que eu tenho o código dela em mim, é só eu me concentrar que eu volto.
-Você pode me levar?
Não tinha pensado nisso, mas não quis parecer mal educada.
-Claro.
-Então vamos.Ele ficou de pé. Enquanto eu levantava minha cabeça estava a mil. Como iria leva-lo? Sei me levar, agora levar outra pessoa, como será? Não sabia se ele ia caber no meu mundo, e se não coubesse, o que podia acontecer? E se eu ficasse perdida? Bom, perdida eu já estava, mais um pouco iria fazer pouca diferença.