domingo, 2 de dezembro de 2007


E era o que eu estava fazendo quando encontrei aquele homem que consertava aquela nave no meio daquele campadão. Os olhos dele eram muito claros, e ele tinha todos os sinais de uma grande inteligência. Mas tinha algo a mais que me intrigava e atraía; um certo enfado, como se tudo o que é importante para o mundo não passa de bobagem e o que é verdadeiramente importante, o mundo não tem nem idéia do que seja. Era isso, ele sabia de alguma coisa que os seres humanos comuns não sabiam. Por isso foi muito importante encontrar com ele. Eu o chamei de Dion, porque ele falava em íons o tempo todo; íon magnético, força iônica, e tantas outras coisas que só dá pra entender o conceito e ir sublimando o resto. Sempre tive dificuldade com representações, por isso sou ruim em matemática. Dion calculava o ar. Contava de uma guerra entre homens e máquinas e seres de outros planetas. Ele estava lutando contra um partido que pretendia controlar a energia do planeta. Quando o encontrei naquele dia dos ovos mexidos ele me disse que estava naquela realidade fazia muitas semanas, sozinho, sem conseguir portas. Perguntei se a nave era dele e ele disse que não, que não sabia de quem era, mas que tinha esperança de sair dali com ela. Ficamos conversando até ele terminar de concertar. Ele era responsável pela parte de computadores de uma tal de Estufa, e seu trabalho era alguma coisa do tipo controlar entradas de um troço que organizava tudo que existe dentro do computador, ou sei lá, e os invasores atacaram e roubaram um certo mainframe daquilo que ele operava, explodiram o lugar de trabalho dele e ele acordou ali. Era uma história estranha e muito difícil de entender, principalmente porque ele parecia detestar explicar as coisas. Por que que é sempre assim, quem mais sabe, menos quer explicar? Bom, o Dion simplesmente não explicava e eu entendi logo que seria inútil ficar perguntando o que, pelo olhar de tédio dele, parecia ser o Beabá do seu mundo pessoal. Não gosto de parecer idiota ou matuta quando conheço alguém de outra realidade, então me esforço muito para ninguém notar minhas idiotices e o quanto eu não entendo das coisas; depois da conversa, vou pensar em casa. Aliás, o problema todo tem sido este; onde é minha casa? Eu já estava começando a ficar com fome quando Dion terminou de concertar aquela coisa e foi, todo decidido, experimentar ligar. Eu me afastei por precaução e foi a sorte, porque aquela coisa fez um barulhão ensurdecedor e um estalo, vibrando muito, soltando fogo por um dos lados e depois o som desmaiou. Fiquei olhando, esperando mais alguma coisa quando vi o Dion sair de dentro daquilo, muito brabo, parecendo xingar em códigos iônicos. Esperei, porque não é bom interferir em movimentos internos tão intensos. Ele sentou no chão com a cabeça entre as mãos. Fui chegando perto devagar, para não incomodar a tristeza dele, e me sentei perto. Ele olhou pra mim e disse:
-Desculpe Uli, não consegui tirar a gente daqui.
Uli. Eu tinha acabado de ser batizada por ele, o que provava que ele era como eu, um viajante.
-Mas eu não estava tentando sair, Dion.
Falei, então, o nome dele para ele saber e também para me exibir de que eu também era uma batizadora. Acho que impressionei porque ele olhou surpreso.
-Como você entrou?
_Pela minha parede, ora!
-Onde fica sua parede, Uli?
-Eu acho que eu tenho o código dela em mim, é só eu me concentrar que eu volto.
-Você pode me levar?
Não tinha pensado nisso, mas não quis parecer mal educada.
-Claro.
-Então vamos.Ele ficou de pé. Enquanto eu levantava minha cabeça estava a mil. Como iria leva-lo? Sei me levar, agora levar outra pessoa, como será? Não sabia se ele ia caber no meu mundo, e se não coubesse, o que podia acontecer? E se eu ficasse perdida? Bom, perdida eu já estava, mais um pouco iria fazer pouca diferença.

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